25.7.11

Levezinha pesou

Teve um dia que encontrei Levezinha chorando que dava dó. Ela se culpava de ter engordado, de não ter conseguido um voozinho naquela tarde e da certeza dos dias seguintes comprometidos pelo peso.
"Peso a gente custa perder", intercalava com soluços. “Mas ganhar é fácil, basta uma tristezinha, uma preocupação, um ressentimento, uma falta de cuidado ou carinho que a vida desalegra pesada. Como desencanto".
"Era Encontro de Levezas", contava Levezinha, "a resistência ao peso estava quase toda ali reunida em prol dos Vuelos, ao redor de uma fogueira, entre caleidoscópios, vinhos, estrelas e barulho de água. Discutíamos uma emenda à constituição que incluísse o direito ao voo como direito social individual e coletivo, garantidor do amor no mundo e alternativa para resolução de vários outros problemas sociais e coletivos.
Trepados numa goiabeira, redigimos uma carta exigindo a abertura imediata das gavetas detentoras de Levezas. Ensaiamos juntos como assopraríamos a poeira das Levezas recém libertadas", contava cheia de brilho nos olhos Levezinha.
"Foram mais umas risadas e resolvemos ser leves em lugares diferentes. Marcamos lugar e hora pro reencontro". Nesse momento, o brilho dos olhos de Levezinha começou a se juntar em gota, enquanto continuava contando: "Cheguei no local marcado cedo pra dar tempo de encontrar presente que arrancasse sorriso de todo mundo. Me sentei no lugar combinado com uma florzinha branca, duas pedrinhas, um colar e um anel. Pedi uma cerveja e um salgadinho.
Meia hora de espera. Junto com o aperitivo comecei a ingerir umas preocupações. Uma hora de espera, eu comia aperitivo e mais preocupação: será que aconteceu alguma coisa com as Levezas? Nem uma delas atendia o telefone. Elas são distraídas com as coisas práticas da vida, pensei eu.
Com duas horas de atraso, engoli a seco um litro de dúvida sobre a chegada das amigas com mais uma porção de preocupação. Eu já tava ganhando peso.
Duas horas e meia de atraso: o telefone toca. Levezas, de tão leves, perderam a hora, mas avisaram que logo chegariam. O resto de preocupação esfriou, deixei no copo.Sem pedir, me serviram uma dose de Braveza, que é pior que preocupação pra fazer peso. Virei o copo e saí do bar onde as aguardava. A braveza não é que nem a preocupação, que é preciso ingerir muito, aos poucos, pra bater. Braveza bate de uma vez, pesa rápido. Por causa dela até as pedrinhas e a flor eu deixei no bar. Fui, de passo pesado, andar à toa, pra ver se o efeito passava.
Pesada, não conseguia andar à toa. Sentei de novo num bar e pedi outra braveza. Quando o telefone tocou pra avisar que as Levezas não teriam mais como me buscar, eu já estava na terceira braveza e com fome. Daí limpei da mesa as migalhas de expectativa que eu estava beliscando, e pedi um pacotão de ressentimento sabor tristezinha mais umas frustrações fritas. Comi rápido. Em poucos minutos já estava assim, pesada, incapaz de um voozinho.
Eu sei que isso de pesar passa. Se eu não voltar a ingerir essas bobagens, em uns três dias eu já devo conseguir voar de novo. Eu só choro porque me faz falta voar com as Levezas".

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