12.10.11

A chuva


Foi outro dia que a chuva se tornou pra mim o desafio do vazio. Nunca na vida tinha pensado que pudesse na chuva haver vazio. Desde então, é só chover que eu fico bocó observando o que desvia dos pingos. Foi uma cabeça dessas boas que bagunçou ou esclareceu, não sei direito, minha chuva. Antes tinha pra mim que chuva era água caindo do céu. E isso adornado do barulho e do cheiro já me servia, e na chuva eu só me molhava.

Pouco depois da descoberta, que me faz até hoje gastar é muito tempo em janelas, eu estava indo para a faculdade quando caiu um chuvão. E chuva é aquela coisa doida, ela faz você falar sobre ela, falar de atrasos, do cheiro, do frio, não chegar aos lugares, encontrar outros lugares. Nesse dia, me abriguei na parada de ônibus e fiquei acompanhando embasbacada o movimento dos entrepingos. Era muito movimento, era ar e poeira e fumaça que dançavam loucamente a desviar da água. Já tinha quase vinte minutos que a chuva derramava quando vi um entrepingo com guarda-chuva que vinha se aproximando numa trajetória difícil. Só quando foi chegando mais perto vi que era, na verdade, uma entrepingo, andando do jeito que os cabelinhos brancos lhe permitiam. Seguia destemida, desafiando a fragilidade do corpo e a força da água. Vinha devagar e sempre, passou pela parada devagar e sempre e continuou seu trajeto devagar.

Na hora que a avistei franzina, ao longe, pensei que só sabendo do espaço que os entrepingos ocupam na chuva, aquela entrepingozinha arriscava continuar. Quando ela passou pela parada, na minha frente, sorrimos uma pra outra, com a cumplicidade de quem compartilha o segredo dos entrepingos. Ela continuo e eu, já entrepingo, segui atrás até que, distraída vendo os entrepingos perto do chão, que, por mais que resistam, acabam se molhando, perdi-a de vista. Nesse dia cheguei na aula atrasada, molhada dos pingos e seca dos entrepingos.

6 comentários: